O 6º Fórum Nacional Pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro promoveu, nesta terça-feira (23), um debate aprofundado sobre o racismo no Brasil e a inserção da população negra no mercado de trabalho do ramo financeiro. O evento, promovido pela Secretaria de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), contou com a participação de mais de 100 militantes sindicais de todo o país e foi realizado em videoconferência.

 

“É importante que sindicatos e federações da categoria bancária façam esse debate para conter esse racismo. Foi muito boa a participação de bancárias e bancários de vários estados do Brasil no Fórum deste ano. Tivemos cerca de 180 participantes, uma boa discussão que só nos anima a continuar a luta para ampliar a participação da população negra no ramo financeiro, com bons salários e trabalhos com respeito e dignidade”, avaliou o secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT, Almir Aguiar.

 

A presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira, acompanhou os debates. “É muito atual e necessário fazer esse debate. O racismo tem um reflexo no mercado de trabalho e na vida como um todo. Nos bancos as mulheres negras recebem 47% do que recebem os homens não negros. Precisamos acabar com isso. O fórum faz esse debate, para avançar a participação da população negra no mercado de trabalho. Isso se reflete na nossa categoria, com uma presença muito pequena. Negras e negros têm dificuldade de ascensão profissional no banco”, afirmou Juvandia Moreira na abertura do fórum.

 

A presidenta da Contraf-CUT lembrou que sua participação na vida sindical serviu para enxergar melhor a diversidade da classe trabalhadora. “O sindicato é uma universidade para nos tornarmos pessoas melhores. Influenciamos muito a sociedade para fazer a mudança para um mundo melhor, onde as pessoas se amem. Não podemos ver o racismo e achar normal. O que aconteceu no Carrefour, quando um rapaz negro foi morto por seguranças, acontece todo o dia. Temos que lutar muito e é uma luta boa de se lutar, que a gente faz com gosto”, finalizou Juvandia.

 

Cultura negra

 

Ramatis Jacino, professor da Universidade Federal do ABC, começou sua fala destacando que a história da população negra não começa com a escravidão. “É muito mais antiga, remonta há 5 mil anos, no mínimo. Nossas civilizações deixaram um legado, como o Egito, a Abissínia, o reino de Aksun, o reino do Mali, o império Ashanti. A contribuição do continente africano foi além das artes e do que foi folclorizado. Se dá nas mais diversas áreas da ciência”, destacou. Ramatis lembrou que foi o escravizado africano que teve papel importante na agricultura do açúcar e do café na economia brasileira, assim como o conhecimento de metalurgia para a exploração das Minas Gerais.

 

Também foi destacado por Ramatis a luta de resistência da população negra contra a escravidão: “Havia as resistências como a Balaiada, Sabinada, Rebelião do Hauçás na Bahia, seja na existência de um país dentro do país que durou mais de 90 anos, que era chamado de Angola Jamba ou de Palmares. Não era um quilombo, mas um verdadeiro país formado por vários quilombos”, ressaltou.

 

Ramatis falou que a desigualdade entre brancos e negros prosseguiu após a abolição sob novas formas. “Isso se dá ao final do século 19, ao longo do século 20 e se mantem no século 21. A questão social do racismo passa pela discussão política de classes. É o movimento sindical que tem todos os instrumentos para fazer esse enfrentamento”, afirmou.

 

Genocídio

 

A advogada Tamires Sampaio, mestra em Direito Político e Econômico e diretora do Instituto Lula, falou sobre genocídio da população negra e suas relações históricas. “As instituições, em especial o sistema de justiça criminal e segurança, promovem o processo de encarceramento e naturalização da morte. É só ver a forma como a população negra é retratada na TV, nos filmes, nos programas jornalísticos. A relação do racismo com a ideologia faz com que a própria população negra absorva essas imagens. É para o controle da população”, afirmou Tamires.

 

A violência que atinge a população negra também se estende às suas lideranças. “Estão sendo atacadas quando ocupam espaços de poder. Vejam o que aconteceu com a Marielle, com as nossas parlamentares eleitas em 2018 e 2020. Não dá para falar sobre o combate ao racismo se não falarmos no combate a sistema econômico”, disse.

 

Dieese

 

A economista Nadia Vieira de Souza, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de Brasília. Apresentou no fórum números que evidenciam a desigualdade racial no Brasil e também na categoria bancária. Citou dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério da Economia que mostram que o rendimento médio mensal na categoria bancária dos negros em relação aos brancos é sempre menor. Enquanto homens não negros têm remuneração média de R$ 10.169, os bancários negros recebem R$ 7.938. Mulheres não negras recebem no setor bancário uma média de R$ 7.849, enquanto que mulheres negras têm rendimento médio de R$ 6.363.

 

Bancárias e bancários negros também ocupam menos cargos de direção. São apenas 5% dos cargos de diretoria e superintendência, 15% das gerências e 17% de cargos de supervisão, chefia e coordenação.

 

Ações afirmativas

 

O advogado Gabriel Sampaio falou sobre conquistas históricas, ações afirmativas na luta contra o racismo na vida e no trabalho. “O Brasil forma em sua base de legislação o enraizamento do projeto racista. Nossa primeira constituição optou por legitimar o modelo escravocrata. No final do século 19, nossas elites, sabendo da transição ao trabalho livre, aprovam algumas normas para preparar o terreno econômico para o trabalho livre e determinam o papel de subalternização da população negra”, afirmou Gabriel Sampaio.

 

Para o advogado, o Brasil foi consolidando, ao longo do tempo, um projeto de necropolítica. “O estado, pelas suas formas de poder, determina quais são os corpos matáveis, mortes toleradas do ponto de vista da força. Isso é parte do nosso passado e também do nosso presente”, afirmou Gabriel Sampaio. O advogado avaliou que as ações afirmativas chegaram atrasadas. Ações como a distribuição de terras para os trabalhadores escravizados, após a abolição, nunca aconteceram. “É somente na primeira década dos anos 2000 que são consolidadas ações afirmativas. Somente em 2014 essa política afirmativa é aplicada no serviço público”, destaca.

 

Estética colonialista

 

A professora Anatalina Lourenço, dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), contou que descobriu que era negra aos 13 anos. “Até então achava que era morena. Vinha da escola distraída, dei um encontrão em um homem e ele gritou ‘saia da minha frente, sua preta desgraçada’. Fiquei chocada quando ele gritou que eu era preta. Minha estética era colonialista, o que não era verdade”, contou Anatalina.

 

No seu trabalho, Anatalina diz que costuma ouvir relatos de jovens alunos negros que têm dificuldades em entrar nas agências bancárias. “Sempre são muito observados, como estivessem com alguma arma debaixo da roupa. Estamos dentro dessa sociedade e cotidianamente ouvimos uma série de atitudes que constroem estereótipos, colocando a juventude negra como delinquente. Este estereótipo permeia o inconsciente coletivo. O racismo mata a psique da população negra. Constrói um mecanismo que nos coloca sempre no pior papel possível”, afirma Anatalina.

 

Para a professora, o primeiro passo é reconhecer que qualquer debate passa por discutir o racismo. “Qualquer pauta, reforma administrativa, tributária, impacta trabalhadoras negras e trabalhadores negros. É impossível falar em democracia, justiça social com racismo”, diz Anatalina.

 

Violência contra mulheres negras

 

A major Denice Santiago, da Polícia Militar do Estado da Bahia, falou sobre empoderamento das mulheres negras e violência na pandemia. “O Fórum de Segurança Pública diz que ocorre uma violência doméstica a cada oito minutos. É um problema de saúde pública, de segurança, de assistência social. É um problema da nossa cultura e da nossa sociedade. As mulheres negras têm menos acesso ao apoio do poder público e essa violência chega muito mais perversa e contundente às mulheres negras”, afirmou a major Denice.

 

A pandemia aumentou os índices de violência contra as mulheres. “A pandemia fez com que a mulher passasse a viver mais tempo com seu agressor. Ela estava dentro de um espaço, aprisionada com seu agressor. Isso fez os números crescerem, temos o aumento dos casos de feminicídio em todo o país. Uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos sofreu pelo menos uma agressão, um tipo de violência ao longo do período da pandemia”, contou Denice.

 

Para a major, que está há 31 anos na PM baiana, o racismo estrutural está em todos os lugares. “Quem são as mulheres negras de que estamos falando. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) diz que são 53 milhões de mulheres negras. Todas as violências contra as mulheres alcançam nós, mulheres negras, de uma forma mais dolorosa”, ressaltou a major Denice.

 

Ativismo político

 

Ana Cruz, ativista política e coordenadora do movimento cultural Mulheres Negras Construindo Visibilidade, falou sobre a importância do ativismo político das mulheres negras. Ana começou falando sobre a aplicação da lei federal que estabelece no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. “O problema é que quem tem que sancionar são os municípios e os estados e eles não o fazem. O que vai fazer a lei funcionar é a nossa articulação política. Tem que acontecer mais engajamento. Essa lei é revolucionaria para desconstruir o racismo a partir da educação”, destacou Ana Cruz.

 

A ativista colocou algumas questões para o movimento negro: “Às vezes a gente se pensa de forma muito pequena, como se a escravização fosse uma coisa não elaborada. Os colonizadores pensaram tão bem que não conseguimos nos livrar da perseguição da escravização até hoje. Se a gente não construir uma luta para ocupar as instituições, vamos demorar 200 anos para resolver o racismo no Brasil. As mulheres negras são 27% da população brasileira, e 1% na Câmara dos Deputados. Elas não têm tempo e estão tentando sobreviver. Como a gente desconstrói essa violência que as mulheres negras, os homens negros e a juventude negra sofrem?  O maior desafio é pensar que nós temos muitas dificuldades de nos compreendermos enquanto nação afro-brasileira, com um legado histórico enorme”, afirmou Ana Cruz.

 

Moção

 

Ao final dos painéis, os participantes do fórum aprovaram uma moção de repúdio à política de racismo do governo Bolsonaro, materializada na figura do atual presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo.



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