Especialistas observam que ao defenderem a criação de um partido nazista no Brasil durante a transmissão do podcast Flow, um programa que chegou a atingir mais de 400 mil pessoas, tanto o youtuber e apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark, quanto o deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP) distorceram o conceito de liberdade de expressão.
 

“Fazer apologia ao nazismo é crime e o deputado [federal Kim Kataguiri] deveria ser submetido à Comissão de Ética”, destaca o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar. “As críticas de personalidades da comunidade judaica e políticos contra os dois têm fundamento. Esse tipo de crime, de xenofobia, vem crescendo no Brasil, como o assassinado de Moïse Kabagambe. Por isso é necessário conter essas políticas e esses discursos”, completa.
 

Segundo o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, ideias nazistas ou que tenham qualquer tipo de preconceito “não estão, em hipótese nenhuma, amparadas pela liberdade de expressão”, disse em entrevista ao UOL News. “Discussões, por exemplo, enaltecendo práticas odiosas e criminosas do nazismo, como vem sendo feito, ou pior ainda, fazendo apologia ao nazismo é crime tipificado pela lei penal”, explicou.
 

No Brasil, as liberdades de expressão, manifestação e reunião são direitos tutelados pela Constituição Federal que não abarca atos violentos e que façam apologia a rejeição, medo, preconceito e até aversão ou ódio contra indivíduos e coletivos.
 

A repercussão negativa do caso fez o Flow Podcast perder contratos com patrocinadoras e receber pedidos de personalidades para que os programas em que foram entrevistadas fossem retirados do ar. Monark e Kim Kataguiri também se manifestaram publicamente pedindo desculpas à comunidade judaica. Mas não convenceram.
 

O youtuber foi desligado do programa de entrevistas, deixando não apenas o cargo de apresentador como também de sócio da empresa que ajudou a fundar. Já o deputado tem um pedido de cassação em espera na Comissão de Ética, feito pela bancada do PT na Câmara. O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, determinou ainda a instauração de procedimento para que seja apurada a prática de crime de apologia ao nazismo por Kim e Monark.

 

Aumento dos símbolos nazistas

 

Aconteceu também, neste interim, a demissão de Adrilles Jorge, da emissora Jovem Pan, após o comentarista realizar um discurso fervoroso em defesa de Monark e se despedir fazendo uma saudação semelhante a nazista. “Vale lembrar que, em outubro do ano passado, Monark esteve nos holofotes da imprensa após ter questionado pelo Twitter se ‘ter uma opinião racista seria crime’”, observa Almir Aguiar. “Nos últimos anos, estamos assistindo uma espécie de licença desses grupos de ódio para se manifestarem. O governo Bolsonaro vem alimentado a atual conjuntura de ódio contra judeus, negros, LGBTs e imigrantes”, completa o secretário de Combate ao Racismo da Contraf- CUT”.
 

Segundo nota do Museu do Holocausto, “pesquisas acadêmicas, como da antropóloga Adriana Dias, apontam para o crescimento no número de células neonazistas e no engajamento de integrantes no Brasil”.  Em janeiro de 2020, por exemplo, o então secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso onde copiou uma citação de Joseph Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha nazista. Após o acontecimento, Alvim foi afastado do cargo. Em maio do mesmo ano, paraquedistas do exército visitaram Bolsonaro, saudando o presidente com o braço direito estendido (à semelhança do cumprimento Heil Hitler) e aos gritos de “Bolsonaro somos nós”.
 

Também em maio de 2020, Bolsonaro tomou um copo de leite ao lado do filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro durante uma live. Desde 2017, o leite é utilizado como símbolo do grupo de extremistas brancos estadunidenses Alt Right. E, em março de 2021, o assessor internacional da Presidência da República, Felipe Martins, apareceu na TV Senado fazendo um gesto reconhecido como racista pela Liga Antidifamação (ADL), entidade com sede nos Estados Unidos.

 

O custo da derrota ao Nazismo

 

Ao analisar a insistência de algumas pessoas em defender Monark com base na livre expressão, o escritor, filósofo e influenciador digital Henry Bugalho ponderou que elas se baseiam no argumento de que as ideias positivas de tolerância e respeito tenderiam a sair vencedoras nos embates políticos contra os ideais criminosos e genocidas do nazismo ou racismo, por exemplo.
 

“Mas, o que me parece é justamente o contrário, quando olhamos na história da humanidade”, alertou. “Empiricamente, no mundo real, as ideias perigosas de extermínio, de destruição, tendem a sobrepujar as demais ideias”, disse lembrando, em seguida, dos acontecimentos que levaram à formação do Nazismo, na Alemanha, dos regimes fascistas, na Itália e na Espanha, e da política de segregação racial que perdurou por muitos anos nos Estados Unidos.
 

“A derrota ao Nazismo só foi possível com uma guerra mundial, na qual morreram mais de 50 milhões de pessoas. Da mesma forma, a política segregacionista de Estado nos EUA só acabou com manifestações de negros levando porrada nas ruas, enfrentando com seus corpos a intolerância”, pontuou o filósofo.



Fonte Contraf-CUT tags:»






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